Ali, na nossa frente, um homem está deitado com a cabeça enterrada no chão. A partir deste corpo sem cabeça, os movimentos começam a aparecer. A princípio contidos, como reações a alguns estímulos invisíveis, tornam-se grandes, excessivos. Então o corpo fica como um totem. As palavras são então ouvidas.
Underground é uma peça sobre o invisível, em que o corpo de um bailarino e as palavras que o acompanham dão acesso a um mundo impenetrável: este underground, tão próximo, mas para sempre desconhecido. O outro lado do espelho.
Underground não é uma provação física, mas sim uma tentativa de mudar as nossas percepções. Mudar de direção, ao nível do sangue, para tentar uma inversão do olhar, uma inversão do mundo: tanto para quem dança como para quem assiste. Abandonar a busca pela elevação cara à dança para nos obrigarmos a cavar nas profundezas e assim procurar os nossos rejeitos, o nosso esquecimento. Com esta ideia do underground como lugar de transgressão, do incongruente, de afirmação da liberdade individual.
Mergulhar na terra é colocar o corpo neste ponto fronteiriço: no mundo dos vivos, mas também um pouco noutro lugar. E ali, no limite da travessia, procurar o que brota, o que se move, o que dança. O que nos mantém vivos, apesar de tudo.