Era 23 de junho de 1919 , uma data na qual o Nordeste se veste de alegrias para celebrar o seu personagem mais glorificado na religiosidade popular: João, o batista, personagem que figura nos evangelhos como o precursor de Jesus Cristo, do qual era primo.
Na simplicidade da gente alagoana, mais uma sertaneja entrou em trabalho de parto, trazendo ao mundo nova vida, naquele dia de celebrações.
Das primeiras lembranças, eis o relato: “ Não sei dizer, porque nasci lá, mas me criei assim: quando estava seco e não tinha o que comer, meu pai ia para outro canto melhor. Depois, quando ficava ruim de novo, a gente ia para outro lugar” E continua “ (Era) Tudo descalço, ‘de pés’. Ninguém morria de fome só porque Deus não deixava. Passamos muita fome, pedimos esmola. O caminho era esse, não tinha outro”.
Mas a sina dos escolhidos para disseminar arte está traçada desde o nascimento. E outro caminho aconteceu! Aos 5 anos de idade, viu o seu genitor fundar um grupo musical, naquele momento denominado de banda cabaçal, terno de zabumba ou esquenta muié. Tudo simples demais, com instrumentos artesanais, e sem qualquer instrução, tocando “de ouvido ”.
No currículo, uma tocada para o rei do Cangaço, em pessoa!
Em 1939, tomaram a decisão e rumaram para Caruaru. “ Chegamos de madrugada, no escuro, sem conhecer ninguém, ninguém. Mas foi aqui que as coisas clarearam para a nossa família ” conta o mestre. Banda de Pífanos e feira, feitos um para o outro!
Fico imaginando o encontro e diálogos na feira de Caruaru entre os Bianos e Vitalino , nosso mestre do barro, exímio tocador de pífanos…só Caruaru teve esse cenário e personagens por vários anos.
Em 1955, o pai da família veio a falecer, e profetizou que “ não deem fim a bandinha, ela vai sustentar vocês”. Ele estava certo. Muito mais do que um sustento, virou uma marca cultural do Brasil, e os projetou para fronteiras internacionais.
Em 1972, chegou a experiência fonográfica e Gilberto Gil, um dos pais da Tropicália, vem a Caruaru, conhece o trabalho e grava Pipoca Moderna, encantado com a sonoridade deles. Em 1975, Caetano Veloso – no embalo do novo movimento tropical – também se contagia e com letra e tudo, grava em seu disco Joia uma faixa musical. Tornam-se os Beatles de Caruaru , segundo Gil, o responsável por apresentar o grupo ao Rio de Janeiro e vice-versa.
“ Não sabia o que era ritmo nem show. A gente tocava nas feiras e festas e aprendi música ouvindo chocalhos e passarinhos do sertão ” nos contou Sebastião Biano. Pura genialidade!
No currículo, seis lps e dois Cds, um Grammy Latino em 2005 e a Ordem do Mérito Cultural, em 2006. Em 2019, homenageado no São João de Caruaru, referenciado por nossa prefeita Raquel Lyra, num gesto de absoluta sensibilidade cultural. Na coleção do mestre do barro, banda de pífanos de Caruaru é uma marca que o mundo inteiro conhece. E para mim, o simbolismo da banda se denominar de Caruaru, apesar de serem naturais de outro Estado e cidade. Isso tem valor, mas não tem preço, formidável.
Vitalino e os Bianos, os responsáveis por projetar nossa cidade como polo cultural pelo Brasil e mundo a fora.
O que é bom, o tempo jamais corrói. Não modifica, se eterniza. E já vão *105 anos* de vida!
Parabéns, Sebastião Biano, obrigado por tudo, viva a cultura nordestina.
*Prof. José Urbano