José Carlos Florêncio nasceu no dia 24 de julho de 1908, na casa nº 73 da Rua do Norte em Caruaru. Foram seus pais Antônio Avelino Florêncio e Donina Deolinda de Lyra Florêncio.
Sua mãe era meia-irmã de Maria Francisca Paes de Lyra (esposa do Capitão Dé), filha do primeiro casamento de seu pai, e irmã de Francisca Eulália Paes de Lyra (mãe de João Elísio Florêncio), de Amélia de Lyra Torres (mãe do padre Carlos Torres) e de Maria Limeira Lyra (Iaiá), filhas do segundo casamento do Capitão João Velho, isto é, de João Francisco Paes de Lyra (1852 – 1943) com Philadelpha Maria da Silva Limeira (Dona Delfa), irmã do comerciante de algodão Aurélio Florêncio da Silva Limeira (Major Léo), avô do escritor Limeira Tejo. O capitão João Velho era filho do alferes João Paes de Lyra.
O seu pai era filho de Francisco Avelino de Vasconcelos Florêncio e de sua primeira esposa sra. Rosa Maria dos Prazeres, o qual, por sua vez, era filho de Francisco José Florêncio de Vasconcelos e de sua esposa Maria da Conceição de Jesus, sendo este filho do primeiro Florêncio nascido em Caruaru no dia 25/03/1783, João Joaquim Florêncio, conforme anotações no livro da igreja de Bezerros, e de sua esposa Antônia Maria de Jesus. Por sua vez, João Joaquim Florêncio era filho de Francisco José Florêncio e de sua esposa Maria da Conceição de Jesus, ele o primeiro Florêncio morador de Caruaru, ainda na época da Fazenda Caruru e ela sobrinha de José Rodrigues de Jesus.
José Carlos Florêncio batizou-se aos 02 de agosto de 1908 na Matriz de Nossa Senhora das Dores, tendo como padrinhos Belmiro Pereira e Rosa Pereira e como oficiante o padre Luiz Gonzaga da Silva, conforme registro nº 764 do Livro 34, fls. 169 da igreja.
Fez o curso primário com as professoras Chiquinha Lyra, Maria Emília, Maria Celestina e com o professor José Leão. O curso ginasial no antigo Ginásio de Caruaru e o secundário no Colégio Osvaldo Cruz, através do artigo 100, que correspondia ao curso Científico, feito juntamente com Luiz Pessoa da Silva, Gercino Tabosa e Artur Tabosa.
Sua infância de filho de pais da classe média foi a de todo menino do interior, mas as suas brincadeiras com seu irmão de criação João Elísio Florêncio, já demonstravam o pendor para apolítica, para a oratória e especialmente para o espírito de gozador que frutificaria mais ainda como adulto.
Como quase toda criança acalentava sonhos. Um dos seus sonhos era fundar um Jornal.
Aos sete anos de idade, na época que estudou no Externato Nossa Senhora do Carmo da professora Maria Celestina, fundou e dirigiu por três anos, entre 1915 e 1917, juntamente com seu amigo Ewandro di Carvalho, seu primeiro jornal “O Amiguinho” todo escrito e copiado a mão para distribuição entre os colegas e professoras. Na ocasião recebia nos seus quadros, entre outros, a colaboração de José Florêncio Neto (professor Machadinho) e de Álvaro Lins.
Foi ainda ajudante de missa por influência de sua mãe, reconhecidamente beata, e terror, juntamente com dois amigos, Luquinha e Nonon de Juca, do sacristão Chico Guerra que muitas vezes, por pirraça, deixou-os trancados na Igreja após as missas, tamanho o fervor das “orações”.
Sem nunca olvidar os estudos, além das atividades e brincadeiras usuais dos rapazes de sua idade, também fez teatro e tocou clarinete na Banda Comercial. Seu primeiro emprego foi o de auxiliar de comércio no estabelecimento de João Demócrito Florêncio (Jotinha), passando depois a guarda-livros (contador) de Santino Cursino.
Das conversas com os amigos, principalmente com seu primo Limeira Tejo, quase sempre varando madrugadas, fixou a ideia, acalentada desde criança, da criação de um jornal, e assim, seu sonho, foi se solidificando até que no dia 01 de maio de 1932 fundou o “VANGUARDA”.
Convidou Edson Rosal para gerente e Severino Pereira, seu primo, filho dos seus padrinhos, para subgerente, ocasião que adquiriu de José Férrer os direitos autorais dos anúncios publicados pelo jornalzinho humorístico “O Pororoca”.
Os primeiros exemplares do Vanguarda foram impressos nas oficinas do jornal desativado “O Caruaruense” pertencente ao cel. Neco Porto, passando após a venda da tipografia a ser impresso nas oficinas do jornal “Cinco de Novembro”, também desativado, de propriedade do cel.
João Guilherme de Pontes, de quem ainda no final de 1932, compraria a tipografia. Entre as máquinas adquiridas, estava o célebre prelo “Jesus”, um dos mais modernos da época e que imprimia duas páginas de uma só vez. Posteriormente, também adquiriu as máquinas e tipos da gráfica “A Primavera”, de propriedade de Francisco Vasconcellos. Estava realizado o sonho de uma vida.
Na edição de 01 de maio de 1936, publicou: “Não há criança por mais trelosa e endiabrada que seja, que não aspire, dentro dos seus sentimentos infantilizados, dentro de sua vida de brinquedo, um ideal para quando ficar grande, para quando ser rapaz. Eu, como todo garoto levado da breca, tive também a minha aspiração de menino. Vivendo uma vida despreocupada e de peraltices, a minha grande e única obrigação era ir à igreja e depois ao Colégio todos os dias. Eu ficava fulo de raiva porque preso assim, não sabia, como os outros meninos, jogar futebol, empinar papagaio e soltar pião. Os outros garotos sempre me levavam de vencida.
Mas apesar de todas essas tolices íntimas e boas de crianças, que se passam tão fugazmente, deixando apenas uma grande e feliz recordação, eu não esquecia meu ideal. Este acompanhava todos os meus passos. Todas as minhas traquinices. E assim fui crescendo… fui ficando grande… e procurei objetivar o meu sonho, o meu pensamento de menino levado da breca que vivia uma vida de constante brinquedo e que a grande e única obrigação era ir à igreja e depois ao Colégio, todos os dias.
Esse meu elevado ideal de garoto, foi fazer um jornal… VANGUARDA faz hoje quatro anos… Já está bem crescido… Foi este o meu grande sonho de menino…”
Mas Vanguarda foi ainda mais que um sonho, que um ideal, que um jornal, foi uma luta árdua, difícil, cheia de sacrifícios, de lágrimas e de suores. Parodiando o poeta Carlos Pena Filho eu diria que “é dos sonhos, da luta árdua, das lágrimas e dos suores dos homens que um jornal se inventa”.
Como jornalista dentro do Vanguarda fez de tudo, até crônica social. Sob o pseudônimo de “Ronald” escrevia a crônica “SUTILEZAS” onde pontificavam frases como esta: “Ela é um enigma… Raramente a gente pode admirar essa garota que tem o porte elegante das lindas princesas das histórias de fadas que a gente gosta de ouvir contar no tempo de criança” Ou esta outra: “É que a garota por onde passa, seus olhos negros e mágicos vão derramando chispas de fogo, fazendo com que a gente fique num fascínio constante de alucinação, sem saber como essa menina vivaz soube prender tanto…” Ou ainda esta outra, que minha mãe lembrava com carinho, publicada para ela: “Essa garota de plástica admirável…”
Como reconhecimento pelas contribuições para o crescimento e valorização da cultura local e da região, através da imprensa, o futuro Patrono da Cadeira Nº 18 da ACACCIL, José Carlos Florêncio, recebeu da Associação Comercial de Caruaru – ACC, o título de Sócio Honorário no dia 11 de maio de 1938.
Posteriormente, 17 anos depois, após a sua fundação, o desempenho do jornalismo do “Vanguarda”, no interior do Estado, foram fundamentais para esse órgão de imprensa, receber também da ACC, o título de Sócio Benemérito, aclamado por unanimidade, em 30 de agosto de 1949.
Um outro sonho que também externava para os amigos e familiares, em uma época que não existia sequer o curso fundamental em Caruaru, era que algum dia haveria uma placa, em um escritório, com os dizeres: JOSÉ CARLOS FLORÊNCIO – ADVOGADO.
Colou grau pela Faculdade de Direito do Recife no dia 05/12/1942. O curso foi começado em 1932, por correspondência, com provas e exames finais presencial na Faculdade de Direito de Alagoas e, apesar das dificuldades logísticas inerentes a época e do grande percentual de desistências, foi levado em frente.
De Caruaru, no curso, foram seus colegas Dr. Celso Galvão (cirurgião dentista), Dr. Godofredo de Medeiros (gerente do Banco Auxiliar do Comércio), jornalista Peixoto Sobrinho (que se tornaria advogado de largo prestígio), professor João Florêncio de Souza Leão (na época prefeito de Caruaru), professor Luiz Pessoa (lente da Academia de Comércio de Caruaru), Luiz Alves (contador da empresa José de Vasconcellos & Cia., precursora da Caroá), Pedro Barbosa (inspetor da Anglo Mexican Petroleun), o bacharel em comércio Cícero Souza (sócio do curtume Souza Irmãos) e o bacharel em comércio Fernando Silveira (contador do Banco Auxiliar do Comércio).
Foi também um dos organizadores do Clube Intermunicipal, membro da sua primeira Diretoria e do Rotary Clube de Caruaru do qual foi o seu primeiro diretor do protocolo. No Central Sport Clube foi orador oficial, secretário, diretor de esportes amadores e vice-presidente.
Durante anos militou na União Caixeiral de Caruaru onde ocupou vários cargos, inclusive o de presidente. Na sua gestão, com o advento dos Sindicatos, foi transformada em face da Lei “União” inicialmente em Sindicato dos Auxiliares do Comércio, hoje Sindicato dos Comerciários.
Ocupou no Estado o cargo de Inspetor de Ensino do Colégio Sagrado Coração e o de Promotor Público Interino de Caruaru. Foi um dos fundadores da Loja Maçônica HUMANIDADE e PROGRESSO, nº 16, na qual existe uma biblioteca com seu nome.
Foi político, memoráveis foram suas polêmicas na Câmara Municipal, onde exerceu mandato por 12 anos, tecendo armas com Luiz Torres, José Victor de Albuquerque, Celso Cursino, Rui Rosal, tanto como vice-líder da oposição a Pedro de Souza ou como líder dos governos de Abel Menezes e Sizenando Guilherme de Azevedo.
Enfadonha a enumeração dos seus projetos, mas destaca-se a criação do Museu de Arte Popular, criminosamente demolido e desaparecidas as suas obras de arte; a estabilidade das professoras concursadas após dez anos de serviços; a criação de meios financeiros para assistência aos menores abandonados e delinquentes; o alistamento eleitoral gratuito e todos os aumentos reais do funcionalismo municipal de 1951 a 1955.
Quando muitos imaginavam um futuro mais brilhante se emigrasse como os Irmãos Condé, Álvaro Lins e Limeira Tejo, preferiu ficar, era um telúrico, um boêmio e, como a aroeira, com suas raízes fincadas muito solidamente na terra de Caruaru.
José Carlos Florêncio faleceu no dia 21 de janeiro de 1963, quando contava somente 54 anos de idade. Pela sua atuação, a Câmara de Vereadores de Caruaru em 1970, por proposição do vereador Severino Afonso Filho, através da Resolução Nº 129/70, o homenageou como Patrono da Casa, que passou a ser intitulada Casa José Carlos Florêncio.
Duas escolas no município, em sua homenagem, têm o seu nome, uma estadual na zona urbana, e uma municipal na zona rural, além de também nome de rua na nossa cidade. Três coisas em vida para ele eram sagradas: o Jornal Vanguarda, o amor imensurável aos seus três filhos (ou quatro, já que sempre dizia que o Vanguarda era seu filho mais velho) e o amor incondicional à sua terra.
Mas foi como poeta e visionário que ele mostrou toda a sua alma. Inúmeras são as trovas e quadras publicadas em seu jornal. Em 1937 publicou no Álbum Revista de Caruaru, por ele editado, época que apenas o 1º quarteirão da Rua da Matriz (Praça Henrique Pinto), de toda a Caruaru era pavimentado, o artigo CARUARU DE AMANHÃ, transcrito a seguir: “Cidade grande. Movimento intenso. Vida agitada. Arranha-céus rasgando as nuvens numa vontade louca de dominar e conquistar as alturas. Elevadores conduzindo pessoas para o 25º andar de um prédio. O tráfego interrompido para os transeuntes atravessarem a principal avenida. Nenhuma rua para calçar. Em dois minutos o elétrico, sustento por um cabo, conduz um visitante ao morro, que se ergue próximo, para o forasteiro se surpreender namorando o lindo panorama da cidade feiticeira. Um avião cortando os céus a olhar, lá de cima, o encanto dos parques e o marco verde dos avelozes.
O cinema do bairro aristocrático exibindo o mesmo filme, pela oitava vez, para uma casa cheia.
Fábricas dando gritos metálicos, o dia todo, pelas gargantas de ferro de suas máquinas e formando densas nuvens de fumaça que saem de suas chaminés enormes. Cidade grande. Movimento intenso. Vida agitada. É Caruaru que cresceu e se fez grande. É assim que eu já vejo dentro dos meus sentidos a minha cidade gigantesca de amanhã – atraente, sedutora, bela. E, nesse tempo, donde quer que eu esteja, em regiões desconhecidas, de lá, eu continuarei, como hoje, a querer religiosamente, a terra que foi o meu berço, a admirar o evoluir sempre prodigioso de uma cidade, o se levantar de uma geração.
E o meu espírito se alegrará por tudo que vir numa satisfação indescritível, sentindo a superioridade de sua grandeza, o realismo de seu valor, e olhando, ávido, os avelozes vestidos de esperança, que decorridos tantos anos não deixarão nunca de assinalar, como um marco feliz, que é a nossa cidade verde do morro do Bom Jesus.
Eu tenho muito orgulho de ti Caruaru, minha cidade grande de amanhã! Dentro da minha imaginação eu já vejo o teu movimento intenso, a tua vida agitada e os teus arranha-céus rasgando as nuvens numa vontade louca de dominar e conquistar as alturas…”
José Carlos Florêncio, meu pai, “sua memória poderá até sair da minha mente, mas jamais do meu coração”.