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CARUARU – O COMEÇO 1773. por Hélio Fernando de Vasconcelos Florêncio

9 de abril de 2023

A história de Caruaru, bem como de todas as outras vilas e cidades surgidas dentro da área da antiga Sesmaria1 do Ararobá, teve seu começo no início do Século XVIII, com seu povoamento.

 

Segundo Francisco Augusto Pereira da Costa (16/12/1851 – 21/11/1923), advogado, jornalista, historiador, escritor, folclorista e político brasileiro, autor de ANAIS PERNAMBUCANOS – uma coletânea de 10 volumes, publicada em1951 pelo governo Agamenon Magalhães – as terras que o capitão Antônio Vieira de Mello possuía faziam parte da área da Sesmaria doada a seu pai, Bernardo Vieira de Melo, a Antônio Pinto Pereira e a Manuel Vieira de Lemos. Esta Sesmaria compunha-se do território cujos limites eram as águas pendentes para o rio Ipojuca e o riacho Mentirosos, a meia distância da confrontação da cidade de Caruaru e das nascentes do dito riacho e descendo em rumo para o sul cruzava os Rios.

Una e Pirangi, até uma légua de distância deste último rio e conservando essa distância, seguia para oeste paralelamente com ele acima, indo até as confrontações com a atual cidade de Quipapá, de onde rumava à barra do riacho Água Vermelha no rio Canhoto e, pela margem esquerda do citado rio Canhoto ia às suas cabeceiras, subindo daí para o norte, passando pelas cabeceiras do rio Una e pela serra do Bucu atingia o rio Ipojuca, nas suas nascentes, e seguindo para leste pelo rio Ipojuca abaixo alcançava a foz do riacho Bituri, da qual rumava diretamente para a serra da Taquara e, pelas águas pendentes desta serra, entre os rios Ipojuca e Una, chegava aonde começava. A superfície da Sesmaria do Ararobá correspondia a vinte léguas em quadra, dividida igualmente pelos três primitivos donos – Bernardo Vieira de Melo, Antônio Pinto Pereira e Manuel Vieira de Lemos – e não trinta, como proclamava o capitão Antônio Vieira de Mello, após quase um século da doação. A carta da sesmaria realmente existe (reproduzida, com transcrição no final desse artigo), foi passada pelo governador Fernão de Souza Coutinho em 23 de dezembro de 1671 a essas três pessoas, embora nunca tenha existido confirmação régia, desde que não se encontra registrada nos arquivos de Lisboa em nome de Bernardo Vieira de Melo, em nome dos outros co-sesmeiros, nem também em nome de Antônio Vieira de Melo. Conforme ainda Pereira Costa – ANAIS PERNAMBUCANOS, VOLUME 4 – “Dos três concessionários das terras, somente Bernardo Vieira de Mello se empenhou na sua exploração e colonização, inicialmente na parte que lhe tocava e depois no todo, por compra da que pertencia a Manuel Vieira de Lemos e por apossamento daquelas que Antônio Pinto Pereira nunca de fato ocupara. A exploração dessas terras começou em 1698 por iniciativa do capitão Antônio Vieira de Melo, o filho do concessionário Bernardo Vieira, conquistando os tapuias bravios e negros rebeldes dos Palmares para se assenhorear das suas terras, tudo à sua custa e dispêndio de sua fazenda. Conseguido este resultado, situou ele diversas propriedades de cultura e fazendas de criação de gado vacum e cavalar, sendo a primeira e mais notável a do Jupi, onde fixou a sua residência, construiu uma capela dedicada a Nossa Senhora do Rosário e várias casas para a sua gente, e unindo a comunicação desta com as suas outras propriedades com largas e extensas estradas que abriu, lançou assim os fundamentos das cidades, vilas e povoações que florescem dentro de tão vastos limites, em sua origem simples fazendas pastoris ou de cultura. Pelos serviços prestados nas campanhas dos Palmares, quer como colonizador de tão vastos e importantes tratos territoriais da zona sertaneja de Pernambuco, teve a doação de uma grande data de terra nos limites daqueles célebres quilombos dos Palmares, o foro de fidalgo da casa real, o posto de capitão-mor e a conferência do hábito de São Bento de Avis. Antônio Vieira de Melo, filho do coronel Bernardo Vieira de Melo e de sua mulher.

dona Maria Camelo de Melo, nasceu na Muribeca no dia 11 de abril de 1669. Já no fim da vida, em avançada idade e respeitável por tantos títulos atestatórios dos seus serviços, viu-se denunciado como implicado em uma conspiração, quando foi recolhido preso à fortaleza do Brum, onde permaneceu por mais de um ano, após responder a uma devassa, até que, à custa de muitos empenhos e dificuldades, conseguiu do governador sair da prisão em 18 de abril de 1764, mediante fiança de três pessoas qualificadas, com a expressa proibição de se afastar dela, fosse qual fosse a circunstância. Depois desse golpe, pouco sobreviveu Antônio Vieira de Melo; e ficando mesmo no Recife, gravemente doente, teve pouco tempo de vida, e assim, conhecendo a gravidade do seu estado, celebrou o seu testamento a 22 de outubro 1764, cujo instrumento não assinou, por estar molestado, em cama, e não poder escrever, o que foi feito a seu pedido, por um amigo presente. Menos de um mês depois falecia ele, como se vê do termo de abertura do referido testamento, aos 16 de novembro de 1764, com a avançada idade de noventa e cinco anos.” Pereira da Costa ainda observa que o “fato que motivou a prisão de Antônio Vieira de Melo provavelmente teria ocorrido em 1761, uma vez que os seus bens foram sequestrados pela Fazenda Real e avaliados naquele ano, em virtude de ordens expressas do governador Luís Diogo Lobo da Silva, como consta do respectivo instrumento lavrado a 2 de julho na povoação de Garanhuns, termo do sertão de Ararobá, Comarca de Pernambuco, pelo respectivo juiz ordinário e licenciado Ventura Rabelo Leite.” Por outro lado, a historiadora Carmen Margarida Oliveira Alveal relata no artigo “DE SENHORIO COLONIAL A TERRITÓRIO DE MANDO: OS ACOSSAMENTOS DE ANTÔNIO VIEIRA DE MELO NO SERTÃO DO ARAROBÁ (PERNAMBUCO, SÉCULO XVIII)”, publicado na Revista Brasileira de História, vol. 35, nº 70, p. 41-64, que o senhorio colonial pode ser definido como o domínio que uma pessoa teve sobre determinada porção de terra, exercendo autoridade sobre a área e as pessoas que nela estivessem e, que quando há uma extrapolação dos direitos de propriedade ou mesmo conflitos na relação social anteriormente construída pelo senhorio colonial, deixando de haver reconhecimento entre os atores envolvidos nos acordos estabelecidos, mesmo que de forma indireta, pode-se dizer que o senhorio se torna um território de mando. Nesse artigo a historiadora detalha a ação do capitão Antônio Vieira de Melo, que utilizando-se de violência, inclusive denúncias de homicídios, para coagir pessoas a se tornarem seus vaqueiros, uma vez que se autointitulava proprietário daquelas terras, transformara seu SENHORIO COLONIAL em um TERRITÓRIO DE MANDO. Uma terra que fora ocupada legalmente em seu início, porém sem seguir os posteriores procedimentos jurídicos, transformou-se em uma ocupação considerada ilegal no entendimento jurídico. Também do ponto de vista da legitimação das ações do capitão, essa somente ocorreu pela força e a coerção, o que provocou contestações sobre a legitimidade de seu poder e acabou por levar a denúncias sobre suas atividades.

Em verdade, Antônio Vieira de Melo tentou impor-se social e politicamente, por meio de suas terras e de controle da área em torno, provocando questionamentos sobre a legalidade das suas ações. As dificuldades das autoridades coloniais e do reino em diminuir a ação de Antônio Vieira de Melo e seu grupo foram tantas que a solução encontrada para tentar minar seu poder foi uma medida política de cunho jurídico de tomada de parte de suas terras por mecanismos institucionais. Assim, após devassa efetuada em 1759 – quase 9 anos após as primeiras denúncias, queixas e representações – ordenada pelo governador Luís Diogo Lobo da Silva (1756- 1763), foi determinado pela FAZENDA REAL o sequestro de bens, avaliados naquele mesmo ano, como consta do respectivo instrumento lavrado a 2 de julho na povoação de Garanhuns, termo do sertão de Ararobá, Comarca de Pernambuco, pelo respectivo juiz ordinário e licenciado Ventura Rabelo Leite. Um ano antes, em 1758, Antônio Vieira de Melo em carta escrita ao governador, referindo-se a si mesmo como “obediente criado”, entre diversas colocações, afirmou que tinha “nestas minhas terras um sítio chamado Caruru2, de que desfrutavam vários índios” (grifo nosso), isso defendendo-se da acusação que os controlava e que eles estariam vivendo por conta própria devido a sua generosidade em deixá-los viver no local. Em paralelo a essa movimentação, Vitória de Santo Antão que desde o início de sua formação dedicou-se a criação de gado, chegando a possuir um bom número de fazendas criadoras, alcançou em meados do século XVIII um relevante papel comercial na Província de Pernambuco. Dentre essas atividades, nas suas feiras semanais de Vitória de Santo Antão, destacava-se a comercialização de gado, apesar da proibição de criação a menos de 10 léguas do litoral, a fim de possibilitar o aumento da área do cultivo da cana de açúcar determinada pela Carta Régia de 17013, que obrigou os fazendeiros se deslocarem para o oeste, para o interior da província, em busca de novas terras propícias à continuidade da pecuária. Nessa linha, os irmãos Tarciano e Zenóbio Torres fundaram no ano de 1740, na área onde hoje é a cidade dos Bezerros, uma fazenda de gado. Fazenda que rapidamente se transformaria em um povoado, após os também irmãos Bezerra de Vasconcellos, que sucederem os primitivos donos, construírem uma capela sob a invocação de São José. Em 27 de agosto de 1768, pouco depois dos irmãos terem erigido a capela, aconteceu do povoado ser elevado à condição de Curato, com o nome de São José dos Bezerros e em 22 de novembro de 1805 o status de Freguesia.

Após a formação do povoado dos Bezerros, intensificou-se na segunda metade daquele século, o desenvolvimento do agreste central com a fundação de novas fazendas, pelos tropeiros e compradores de gado de Vitória, os quais nas suas andanças adquiriram várias propriedades, a maioria delas às margens do Rio Ipojuca, constituindo o “caminho do Ipojuca”, que ficaria mais conhecido como o “caminho das boiadas”, com muitas delas com o passar dos anos, transformando-se em prósperas fazendas. Nesse procedimento, destacou-se a família Vidal (que já se encontrava nessa atividade desde que o então presidente da província, o capitão André Vidal de Negreiros (1657-1661), doou a seu sobrinho, Antônio Curado Vidal, uma sesmaria medindo 10 léguas, compreendendo as atuais terras de Amaraji, Primavera, Chã Grande, Gravatá e parte das terras de Bezerros e de Caruaru) ao instalaram no caminho do Ipojuca as fazendas Caruru, São João, Taquara, Salgado, da Volta, Poço da Pedra, Itacaité de Baixo e Itacaité de Cima, situadas entre São José dos Bezerros e Belo Jardim, além de várias propriedades agrícolas, provavelmente adquiridas à FAZENDA REAL, provenientes do sequestro dos bens ou ao ESPÓLIO do capitão Antônio Vieira de Melo. A Fazenda Caruru ficava localizada à margem esquerda, na região do vale médio do rio Ipojuca, nas proximidades do Morro do Caruru, na divisa entre as serras do lado direito do rio, que com suas terras abrejadas, água abundante e de excelente qualidade permitiram a proliferação das plantações de café, da cana, da mandioca e das frutas e, do seu lado, as terras relativamente planas e ricas em pastagem que possibilitaram que a criação do gado fosse rapidamente desenvolvida. José Rodrigues de Jesus – inserido na família por laços familiares – tornou-se assim proprietário da Fazenda Caruru. Sua posição geográfica e suas condições especiais tornaram-lhe rapidamente a mais importante, a oeste de Bezerros, do caminho das boiadas. Caminho que tinha, através da feira de Vitória de Santo Antão, Recife, Olinda e a Zona da Mata, com suas usinas de açúcar e inúmeros engenhos de cana, como o destino maior dos rebanhos de gado, da carne, do leite e do couro. A inclemência do clima das outras regiões agrestinas e o fato de José Rodrigues de Jesus ter centralizado a comercialização do gado a oeste de Caruaru, logo fez sua fazenda se tornar um lugar para onde convergiam muitos trabalhadores. Quando a Fazenda Caruru se tornou um entreposto comercial de compra e venda de gado, negociando diretamente com Vitória de Santo Antão, sem depender de São José dos Bezerros, a fazenda que possuía apenas a casa grande, a senzala, um curral e algumas instalações de apoio e moradia, logo ganharia mais uma dúzia de casas destinadas a pensões, casas de pasto e pontos comerciais de apoio à lida com o gado. Esses acontecimentos, por si, foram suficiente para transformar o local em um núcleo contínuo de crescimento, aliás fato também comprovado pelos assentamentos de mais de 70 batismos ocorridos entre 1772 e 1779, dos quais apenas os três primeiros do ano de 1772, se referem ao local como FAZENDA CARURU, com todos os demais, a partir do ano seguinte, já se referindo ao LUGAR DO CARURU ou simplesmente CARURU.

A seguir, copias com transcrição de dois dos mais de setenta documentos registrando as denominações de Fazenda Caruru e Lugar do Caruru.

 

 

Sendo assim, Caruaru como lugar teve começo em 1773 e não pós-construção da capela de Nossa Senhora da Conceição (1782), ou no final do século XIII conforme mencionado no posfácio, p. 22, do livro CARUARU – CENTENÁRIO DA CIDADE de Nelson Barbalho. José Rodrigues de Jesus era filho de Plácido Rodrigues de Jesus, natural da Luz (São Lourenço da Mata) e de Lourença do Valle Pereira, natural de Vitória de Santo Antão, nasceu no município do Cabo de Santo Agostinho por volta do ano de 1750, possivelmente numa fazenda da zona rural próxima da divisa com Vitória de Santo Antão. A maior proximidade geográfica da fazenda com o povoado de Vitória de Santo Antão justificaria sua família ser mais ligada àquela Freguesia de que ao próprio Cabo, desde que sua mãe e sua esposa eram naturais de Vitória de Santo Antão.

 

Sua filiação e naturalidade estão comprovadas pela leitura dos assentamentos dos livros de batismo e de casamento da primitiva igreja de São José dos Bezerros, a qual Caruaru em termos religiosos era subordinada, na Cúria Diocesana, colocados à nossa disposição para pesquisa e digitalização, originadas de contrato celebrado, por nossa solicitação, com endosso da Câmara de Vereadores e Fundação de Cultura, entre a Academia Caruaruense de Cultura Ciências e Letras e a Diocese de Caruaru em 2021. Os pais da esposa de José Rodrigues de Jesus chamavam-se Mathias Vidal de Souza e Eugenia de Almeida Pereira, naturais de Vitória de Santo Antão. O sobrenome Pereira e a naturalidade comum, Vitória de Santo Antão, das mães do casal, indicam um possível parentesco entre eles. Segundo o professor e historiador Mário Mello seriam primos legítimos. Documentos indicam que a mãe da Maria do Rosário já tinha sido casada em primeiro matrimônio, sendo que uma filha deste casamento, de nome Josefa Maria, era a esposa de João Fernandes de Souza, pessoa de confiança de José Rodrigues de Jesus. Era na residência desse casal, antes da construção da capela de Nossa Senhora da Conceição, onde ocorria a maioria dos batismos e casamentos no Caruru, onde provavelmente existiria um oratório. A seguir, assentamento de batismo anterior a 1782 (data da inauguração da Capela de Nossa Senhora da Conceição), registrando também o local já como Lugar do Caruru, ocorrido na residência do João Fernandes de Souza, de um filho do casal, citando o nome do avós paternos e maternos da criança (portanto o primeiro marido de Eugenia da Almeida Pereira, a mãe de Maria do Rosário).

 

 

 

Outros registros de batismos e de casamentos também localizados, mostram que José Rodrigues de Jesus tinha pelo menos três irmãos: Maria do Valle Pereira, Isabel Alvares de Jesus e Lourenço do Valle Pereira, todos naturais do Cabo. Por sua vez, Maria do Rosário, além da meia-irmã do 1º casamento de sua mãe, teve mais três irmãos identificados: José Alvares de Souza, natural de Vitória de Santo Antão e Felipa Maria do Espírito Santo e Isabel Maria Alvares, naturais de Caruaru. O fato das irmãs terem nascido no Caruru, indica que seus pais eram relativamente jovens quando para aqui vieram, além dela mesma quando casou. Seus pais eram os proprietários da Fazenda São João. José Rodrigues de Jesus parece ter emigrado para a região já adulto, provavelmente órfão de pai, desde que não existe menções nos registros da igreja de Bezerros, onde o pai, ao contrário da mãe, apareça como padrinho ou testemunha de algum evento. Quanto ao matrimônio, não foi localizado o registro de casamento do casal, embora salientemos os estados lastimáveis de alguns livros, ou se o mesmo ocorreu ainda em Vitória.

Assim, esses livros de batismos, de casamentos, de óbitos e de tombo da primitiva igrejinha de Bezerros, a primeira da região, a quem Caruaru em termos religiosos era ini cialmente subordinada, funcionam como fontes primárias de informações, ao registrarem nomes de pais, de filhos, de avós, de localidades, de sítios e fazendas, além de datas fundamentais para a compreensão da nossa história. Além de comprovar que a região, onde hoje se situa o município de Caruaru, a partir do último quarto do século XVIII, já era bastante movimentada, desde que nesse intervalo, são mencionadas mais de cinquenta propriedades rurais diferentes, isso considerando somente os batismos celebrados no Caruru, na casa do senhor João Fernandes de Souza ou na capela de Nossa Senhora da Conceição. Na Rua da Frente, a primeira que começou a se formar em Caruaru – ganhou essa denominação por ficar na frente da igrejinha de Nossa Senhora da Conceição – teve início um pequeno comércio, desde que aos sábados, quando os padres de Bezerros vinham realizar batizados ou casamentos, os moradores da redondezas aproveitavam para além de rever amigos, parentes e conhecidos, trazerem alguns produtos e pequenas criações para realizarem vendas ou trocas antes e depois das celebrações religiosas, visando o também o abastecimento das casas de pasto e pensões de apoio a lida com o gado. O próprio José Rodrigues de Jesus, para assegurar ainda mais o fortalecimento da feirinha e, por consequência, da sua própria propriedade, provavelmente também incentivava esse comércio e nele tomava parte ativa, pois no fundo era ele quem realmente dispunha dos mais importantes produtos, os rebanhos de gado, além de que ainda adquiria a sobra dos produtos dos feirantes para alimentação de seus escravos. Essa conjunção de fatores, se mostraria fundamental para a consolidação da feirinha semanal – o início da famosa Feira de Caruaru – e formação do arruado. Por fim, quando José Rodrigues de Jesus e sua esposa Maria do Rosário resolveram construir uma capela, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, encaminharam em 21 fevereiro de 1781 petição ao bispo de Olinda, solicitando licença para a sua edificação e anexando demonstração de como seriam gerado os recursos necessários à sua manutenção, exigências da Igreja na época. No Auto de Justificação, o casal fazia a “doação de uma sorte de terras de criar gado, para patrimônio de sua Capela na Fazenda Caruru, no Curato de São José dos Bezerros, com o título de Nossa Senhora da Conceição e como pelo dito do avaliador se prova valerem uns 200 mil réis e poderem render seis mil réis anualmente e pelas testemunhas que dão livres de foro, penhora, hipoteca ou outro algum encargo, e que os doadores podem fazer sem prejuízo de terceiros ”. Por sua vez, o próprio Auto de Justificação, ao mencionar a capacidade da “doação de uma sorte de terras de poder render dividendos” (grifo nosso), também comprova que Caruaru já em 1781 já era um lugar razoavelmente crescido e bem habitado. Portanto, sabendo-se que a inauguração da capela ocorreu no dia 05 de outubro de 1782, o Marco Zero, isto é, o início de Caruaru como lugar, não é a igrejinha de Nossa Senhora das Conceição e sim a Feira de Gado, na ocasião que a Fazenda Caruru se tornou um entreposto comercial de compra e venda de gado, comercializando diretamente com Vitória de Santo Antão.

ESTÁTUA DE JOSÉ RODRIGUES DE JESUS, CONSIDERADO O FUNDADOR DE CARUARU, POR TER CRIADO AS CONDIÇÕES DE SEU DESENVOLVIMENTO, LOCALIZADA NA PRAÇA CORONEL JOÃO GUILHERME DE PONTES

 

 

 

A seguir termo da doação da Sesmaria do Ararobá de 23 de dezembro de 1661, aos sesmeiros Bernardo Vieira de Mello, Antônio Pinto Pereira e Manuel Vieira de Lemos, transcrita de parte de documento (entre marcas em vermelho) lavrado pelos irmãos Alexandre Muniz de Mello e Antonio Vieira de Mello, filhos do capitão Antônio Vieira de Melo, em 12 de agosto de 1779. “…//Fernam de Souza Coutinho governador das cappitanias de Pernambuco, e das mais anexas por sua Magestade que Deos goarde […] Fasso saber aos que esta carta de doassam e Sismaria virem que havendo respeito ao que me representaram o Cappitam Bernardo Vieira, Antonio Pinto e Manoel Vieira de Lemos moradores nesta cappitania pella petissam atras escripta pedindome por devolutas e desapropriadas as trinta legoas de terras para seos curraes de gados e por me constar de tudo o que alegam, e da resposta do Procurador da fazenda real que nam poem duvida a dar-selhe na parte que nomeia com limitassam de vinte legoas somente e conformandome com o que Sua Altesa que Deos goarde nesta materia me recomenda pello novo Regimento. Hey por bem e lhe fasso mercé dar em nome do dito Senhor como em virtude da apresentasao de Sismaria aos dittos suplicantes vinte legoas de terra na parte que nomeam entre as Serras de Opy junto ao riacho Lima e correndo para o sul té as serras do Bucú e da barra do mesmo riacho Lima e [….] correndo pelo rio de Ipojuca a sima de huma banda e da outra thé a serra de Tacaité asim e da maneira que as pedem, confrontam em sua petissam para elles e seos herdeiros e descendentes as quais vinte legoas poderam tomar e demarcar em quadra salteadas juntas disapartadas como melhor parecer e acharem suficientes estando devoluto, e nam prejudicando a terceiro com todas as suas agoas campos, mattos, testadas, logradouros, a mais uteis que nelas se acharem tudo forro livre e isento do tributo foro […] salvo disimo a Deos, e seram obrigados dar pelas ditas terras caminhos livres ao concelho para fontes, pontes, ou pedreiras pelo que ordemno a todos os Ministros da fazenda e justissa desta Cappitania ou a quem o conhecimento desta carta pertencer lhes fassam dar posse real futura e actual na forma costumada de baixo da clausula referida e das mais da ordemnassam do libro de Sismaria para [?] que lhe mandeis passar a presente por mim assignada e sellada com o sello das minhas armas a qual se registará no libro […] dado nesta villa de Olinda cappitania de Pernambuco aos vinte e tres dias do mes de dezembro de mil seis centos e secenta e hum anos. O Alferes Diogo Rodrigues Pereira a fis e sobrescrevi// Fernam de Sousa Coutinho//…”

1 Uma concessão de terras com objetivo de desenvolver a agricultura e a criação de gado no interior da província.

2 Essa informação reforça a versão que no último quarto do século XVII, a Fazenda Caruru foi montada e posteriormente abandonada devida a doença que acometeu o gado, desde que em 1758 estava ocupada por índios.

3 Medida adotada pelo rei de Portugal para combater a forte presença dos holandeses no mercado internacional, com o açúcar produzido em suas colônias nas Antilhas, após a expulsão de Pernambuco,

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