Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei assinado por 32 deputados de base conservadora, conhecido como PL 1904/2024, que propõe equiparar qualquer aborto realizado no Brasil após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio. Essa proposta legislativa, que tem o deputado Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) como um de seus autores principais, adiciona parágrafos a quatro artigos do Código Penal Brasileiro: os artigos 124, 125, 126 e 128.
O projeto, utilizando premissas equivocadas e sem focar na saúde da mulher, argumenta que, na época da criação do Código Penal, abortos em estágios avançados da gestação eram impensáveis e, se fossem realizados, seriam considerados homicídios ou infanticídios. De acordo com a proposta, “quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples”, cuja pena varia de 6 a 20 anos de reclusão.
Em uma manobra regimental, na noite de 12 de junho, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para a tramitação do projeto, permitindo que ele seja votado diretamente no plenário, sem debates e pareceres nas comissões e sem ampla discussão com a sociedade. Essa manobra, conduzida pelo deputado Eli Borges (PL/TO) e apoiada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), gerou críticas e acirrou os ânimos do debate acerca do tema a nível nacional.
O PL 1904/2024 enfrentou manifestações contrárias e protestos em várias cidades brasileiras. Uma enquete no site da Câmara registrou mais de 400 mil votos, com 83% deles discordando totalmente do projeto. Segundo Ana Costa, diretora executiva do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), o projeto é uma “reedição do ‘Estatuto do Estuprador'”, obrigando mulheres a continuarem com gestações resultantes de estupro, sob pena de prisão.
O projeto atinge diretamente as crianças menores de 14 anos, que muitas vezes descobrem a gestação tardiamente devido a abusos intrafamiliares. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, 74.930 pessoas foram estupradas no Brasil, sendo 88,7% do sexo feminino e cerca de 60% com no máximo 13 anos de idade.
Se aprovado, o projeto poderá obrigar meninas vítimas de violência sexual a seguirem com a gestação, representando um retrocesso nos direitos sexuais e reprodutivos garantidos por lei desde 1940. A mudança na legislação significaria que os envolvidos no aborto poderiam ser condenados pelo crime de homicídio simples, com penas severas, enquanto a legislação atual prevê penas menores para os crimes de estupro.
O PL 1904/2024 representa uma significativa mudança na legislação brasileira sobre aborto, sendo um retrocesso ao impor severas penalidades para abortos realizados após 22 semanas de gestação, mesmo nos casos atualmente permitidos por lei. A proposta, ao fim e ao cabo, criminaliza as vítimas de estupro, em desacordo com os direitos reprodutivos mínimos das mulheres, representando ainda um passo atrás na saúde pública e na justiça social.
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